Sobre a Europa: Liverpool
17 de Outubro de 2015

Liverpool, pra quem não sabe, é uma cidade costeira situada no noroeste da Inglaterra. O povo de lá é completamente afável e simpático, sem a famosa fleuma que caracteriza os demais britânicos de um modo geral. Por outro lado, os "liverpudianos" têm outra marca muito especial: um sotaque quase impenetrável. Pra quem aprendeu o inglês americano (o que é o caso da esmagadora maioria dos brasileiros que fala inglês), o sotaque britânico por si só é um pouco complicado. Já a conversa com um habitante de Liverpool tem tudo pra se tornar um diálogo de surdos.

Era nossa segunda passagem pela cidade e a imagem que ficou da primeira vez se confirmava: o tempo fechado e com uma garoa irritante reforçava a impressão de que Liverpool é um lugar que o sol esqueceu. E, tirando o povo simpatia, só um feito colocava a cidade no mapa da história: foi em Liverpool que foi concedido o registro a um grande transatlântico que gravaria seu nome para a posteridade de forma trágica: o Titanic... Então, raciocinemos: que diabos fomos fazer numa cidade a 350 quilômetros de Londres (pouco mais de duas horas de trem - é, o bicho anda rápido) em que o clima não ajuda e que não tem atração turística alguma? Simples: Liverpool é a terra dos Beatles!

Partimos da mesma estação que ficava do outro lado da rua do nosso hotel em Londres (trem e metrô na mesma estação, uma verdadeira maravilha!) e logo que chegamos no destino cumprimos o ritual: encontrar o escritório de informações turísticas, arrumar um mapa e descobrir o melhor jeito de chegar onde queríamos - a intenção era ir a Albert Dock, doca em que há uma enorme loja de artigos referentes ao Beatles, de lá pegar um ônibus para fazer um passeio pela cidade e então conhecer o mágico Cavern Club, bar em que o Fab Four começou sua carreira. Perguntei a um funcionário o melhor caminho para a doca e ele indicou um trem urbano que poderia pegar usando o mesmo ticket que me levou de Londres. Expliquei que preferíamos ir a pé para ir conhecendo a cidade e ele na hora ensinou o melhor jeito de chegar lá. No caminho, uma fila imensa de garotas na faixa dos 12 aos 15 anos que tinha uma reação histérica a qualquer movimentação que acontecia no que parecia ser uma discoteca - era o lugar onde a fila acabava. Pensei em perguntar, mas acabei achando melhor ficar sem saber qual era o "famoso quem?" que elas estavam esperando. Certamente iam me dizer um nome de que nunca tinha ouvido falar...

Uma vez na doca, fomos fazer bobagem com o cartão de crédito na loja The Beatles Story. Pense em alguma coisa - qualquer coisa! - relacionada à banda. Lá tem. Saímos com uma sacola mais ou menos recheada de bugigangas...

Em seguida, era hora do tal tour pela cidade. O ônibus de turismo que pegamos é de um sistema chamado "Hop On Hop Off". Funciona assim: você paga uma tarifa única e ele tem várias paradas ao longo do trajeto. Você pode descer em qualquer uma e depois pegar outro ônibus com o mesmo bilhete, desde que seja no mesmo dia. É um sistema que existe em vários lugares do mundo, e que viria salvar nossa pele nessa mesma viagem. Mais pra frente a gente conta essa história...

Passeio por Liverpool
Em algumas regiões, Liverpool parece uma pacata cidadezinha do interior
Fizemos o tour - que só confirmou que Liverpool não é um lugar exatamente atraente... - e logo estávamos no Cavern Club...

O bar foi fundado em 1957, os Beatles tocaram lá pela primeira vez em 1961 e em 1973 o lugar fechou. Foi reaberto em 1984 num outro endereço - na mesma rua, quase em frente ao original. Ficou mais um curto período fechado, de 89 a 91, e de lá pra cá reabriu e não fechou mais. Tem música ao vivo lá de segunda a segunda - a partir das 2 da tarde de segunda a quinta, do meio dia em diante de sexta a domingo. Ou seja, um verdadeiro "playcenter do rock'n'roll."

Lá dentro, após descer vários lances de escada em caracol (segurança zero; se aquele troço resolve pegar fogo morre todo mundo), tem uma espécie de um corredor com mesas dos dois lados, uma pista no meio e o famoso (e minúsculo) palco no fundo. Em várias paredes há memorabilia dos tempos dos Beatles. Do lado direito fica o bar e seguindo pelo corredor de acesso a ele chega-se num outro ambiente, com um palco maior - mas onde as coisas acontecem de verdade é nesse lugar logo na entrada. Você pega e paga sua bebida direto no bar, e quando surge uma mesa você pega antes que outro que estiver em pé faça o mesmo. Simples assim. Tinha uma bomba de Guinness, que até o fim da tarde acabaria se tornando minha amiga íntima.

O palco mais famoso do mundo

Instrumentos usados pelos Beatles

Cavern Club e os Beatles

Tudo no Cavern Club remete ao Fab Four

Beatles e Guiness numa plena quarta-feira à tarde...
No palco, enquanto estive lá, revezaram-se três músicos tocando Beatles no esquema voz-e-violão - o máximo que se ouviu além de Beatles foi alguma coisa da carreira solo de John Lennon, o que acaba dando na mesma. Não consegui pegar o nome de nenhum deles, mas a análise é simples. O barbudinho que estava em cena quando cheguei era um músico apenas correto, mas de grande carisma. Conversava direto com a plateia - sim, o lugar estava cheio apesar de ser uma quarta-feira à tarde - e botava a galera pra cantar junto. Depois dele foi a vez de um sujeito bem mais novo que cantava muito e simplesmente destruía o violão. Só que o carisma do rapaz era zero e logo a conversa do povo começou a duelar em volume com sua música. Mais no fim da tarde, perto da hora de ir embora, apareceu um sujeito sorridente e de cabeça branca. Não se trata de uma questão de "defender a categoria", mas quando você vê um sujeito de mais idade no palco é sempre bom prestar atenção: normalmente é gente que sabe o que está fazendo. E não deu outra: na primeira música o Cavern Club estava inteiro cantando junto com o sujeito. E olha que ele nem era um fera no violão... (veja um trechinho aqui)

Tiozinho mandou muito bem!
O local onde conseguimos nos acomodar era perto da porta de entrada e em vários momentos era mais divertido olhar a reação das pessoas quando vislumbravam o palco do que o que acontecia nele propriamente dito.

No Cavern Club bandas cover têm espaço - e ninguém reclama...
Ficamos umas três horas por lá e dali toca a caminhar de volta à estação para pegar o trem para Londres. Assim que saímos, uma surpresa: a porta do Cavern Club, como num passe de mágica, se transformara numa espécie de memorial à cantora Cilla Black, que morrera dias antes num estúpido acidente doméstico (caiu da escada e bateu a cabeça). Uma rápida pesquisa e Mr. Google explicou: Cilla não só começou sua carreira no Cavern Club como na juventude chegou a trabalhar na chapelaria do lugar.

Memorial a Cilla Black
Uma vez na estação, apelamos, pela única vez na viagem, ao fast food. No horário em que chegaríamos a Londres o restaurante do hotel já estaria fechado e não havia nenhum lugar digno de confiança para comer nos arredores. Então, dá-lhe Burger King.

Lá o simpaticíssimo atendente africano vê minha camisa do Santos e puxa papo sobre futebol. Pergunta se a camisa é do São Paulo é ouve um "nããããããããooooo!" Expliquei mais ou menos a rivalidade entre os times e ele disse: "Ah, algo como Manchester City e Manchester United." É, bem próximo disso. Como tinha tempo sobrando, não havia outros na lanchonete e o papo estava fluindo, resolvi testar meu inglês e explicar a ele a famosa particularidade sobre o São Paulo de que sua torcida normalmente não gosta. Acho que consegui, pois o cara riu até se dobrar. Rá!

Daí foi só esperar o trem, viajar uma hora e meia, chegar ao hotel e como era nossa última noite em Londres... Sim, você já sabe o final.

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