Sobre as bandas da minha cidade
23 de Outubro de 2015

Acho que todo mundo lembra o que eu falei deste blog: a ideia era tratar de assuntos fora da música e no momento estávamos em meio ao relato de nossa viagem à Europa, que aconteceu em agosto último.

Mas deixe que eu me contradiga duas vezes numa tacada só. Não apenas vou dar uma pausa no relato de nossas peripécias em solo europeu como vou, sim, falar de música - aliás, desde o começo eu sabia que ia ser impossível passar batido por isso...

Acontece que têm infestado as redes sociais umas campanhas protagonizadas por gente do meio do rock incentivando o apoio às bandas nacionais. E, pior que isso, tem outra mais bairrista ainda que diz "apoie as bandas da sua cidade".


Pra início de conversa, sempre tive uma relação generalista em relação à arte em todas as suas formas. Acho que quem tem algum talento deve dividi-lo com o mundo e, da mesma forma, o mundo deve apreciar a boa arte independentemente de onde ela provenha. Um exemplo: sempre preciso dar uma vasculhada na memória para dizer de que país é determinada banda, simplesmente porque isso nunca me importou. A música dos caras é legal, eu consumo, curto, falo bem dela nas minhas matérias e estamos conversados.

Assim sendo, fico me perguntando porque diabos eu deveria prestigiar e apoiar uma banda apenas pelo fato de ela ter o mesmo CEP que eu. Nesses 30 anos criticando música boa, música mais ou menos e música ruim, já me deparei com essas três alternativas vindo dos mais diversos lugares - inclusive da minha cidade, Campinas, que, como todas as outras, é repleta de bandas boas, bandas mais ou menos e bandas ruins. Simples assim.

Óbvio que a experiência te faz ficar mais seletivo e na atual conjuntura não é qualquer evento que me tira de casa. Mas sempre que dá vou ver algumas bandas que tocam por aqui - citar nomes seria jogar bombinha em vespeiro, então prefiro que quem me conhece se lembre em quais shows estive nos últimos meses... A verdade, no fim das contas, é que minha cidade e, por extensão, meu país têm muitas bandas de ótimo gabarito, mas, salvo aquelas duas ou três exceções que até minha avó sabe quais são, ainda não conseguem fazer frente aos grandes expoentes mundiais em termos de qualidade musical e de capacidade de entregar um show que possa ser definido como um espetáculo. Quer um exemplo? O Metallica no último Rock In Rio fez um show mediano, com direito até a pane no som. Mesmo assim foi uma apresentação que ficou anos-luz à frente de qualquer banda brasileira. E isso não é uma crítica gratuita, muito menos complexo de vira-latas como podem pensar alguns.


O que ocorre é que a forma como as coisas acontecem lá fora é totalmente diferente daqui - e o "lá fora" a que me refiro são obviamente os países em que o rock é tratado como uma forma de arte respeitável, o que está longe de acontecer por aqui. Lá o sujeito convive desde cedo com o rock nos seus mais diversos subestilos. Além disso, o acesso a instrumentos e equipamentos em geral é muito mais fácil e a infraestrutura a serviço dos artistas (estúdios, locais para apresentação etc.) é muito melhor, muito maior e, principalmente, muito mais acessível.

Só que tem um detalhe muito importante: isso não pode servir como desculpa. É mais difícil fazer algo de nível aqui do que lá fora? Pois que se rale mais aqui do que lá fora. Esse é o preço a ser pago por quem se pretende merecedor da mesma atenção que as atrações internacionais. Porque, para o público que paga para assistir o show e adquirir o CD, o que realmente importa é a qualidade daquilo que vai ver/ouvir. Afinal de contas, estamos falando de profissionalismo e qualidade musical, não de ação entre amigos...


Enfim, são dignos de aplausos os músicos brasileiros que se dispõem a fazer rock a despeito de todas as dificuldades que enfrentam. E há aqueles que conseguem (e dá-lhe clichê!) fazer do limão uma limonada, gravando ótimos discos, fazendo shows impecáveis, criativos e diferenciados. Só que são muito poucos os que atingem essa excelência. Infelizmente, é comum ver bandas mal ensaiadas, com composições nada atrativas e execução pífia. Um meme no Facebook recentemente definiu essa situação de forma direta e até cruel - mas totalmente realista. Na imagem um sujeito pergunta pro outro em tom de acusação: "Você paga 500 reais pra ver uma banda gringa e não paga vintão pra ver a banda do seu amigo?" O outro devolve na lata: "Porque o dinheiro é meu e a banda do meu amigo é uma bosta."


Então, na medida em que alguns pretendem ser tratados com a mesma deferência que os astros internacionais, é preciso que as coisas sejam colocadas nos seus devidos lugares e que haja um "algo mais" (que aqueles poucos já provaram ser possível) do que uma simples nacionalidade no RG para que, de fato, não exista diferença na arte entregue por esses dois artistas.



2 comentários:

  1. Quando precisamos de uma cadeia de atividades que favoreça nossa atividade - mercado musical de Rock - normalmente se esquece que se não fomentarmos aquele adolescente ou jovem com um sonho real de viver do seu ofício, dificilmente vamos prosperar.
    Como músico, posso relatar a minha visão.
    Vivemos a febre do malfeito, muitas vezes injustamente confundido com underground.
    Toda essa cadeia de produção menospreza o músico, que afinal de contas é o centro dessa atividade, sem músicos de Rock, sem mercado de Rock.
    Estabeleceu-se no Brasil que o músico tem que dar graças a deus e ao produtor, seja do estabelecimento ou não, de estar tocando. Falta profissionalismo desde equipamento a acesso a saneamento básico na área reservada à banda. Isso por si só já seria terrível se não fosse ainda o fato das bandas iniciantes nunca receberem nada e ainda terem que pagar pra tocar.
    Quantos artistas talentosíssimos já passaram inclusive pela Gangrena Gasosa mas não puderam continuar se dedicando a uma atividade que não gerava retorno.
    Isso se reflete em cascata.
    Se não tem músico de qualidade, o público não comparece, não surgem novas casas que se dediquem ao Rock, não existe imprensa com demanda de material qualificado e as próximas gerações vão enxergar a dedicação ao Rock como simplesmente inviável.
    Assim, tudo que for surgir terá qualidade inferior por comprometimento também inferior dos músicos com o mínimo de profissionalismo necessário pra se ter uma banda pelo menos mediana. Tudo sempre vai ficar nivelado por baixo.
    E obviamente ninguém sai de casa pra ver uma banda horrível.
    Não posso dizer que tenho a solução, mas acho que tratar o músico de Rock no país com o mínimo de dignidade ajudaria muito.

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  2. A verdade, enfim, é essa mesmo: há vários responsáveis pela situação que vivemos, mas o maior deles sem dúvida são as bandas.

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