Sobre a barbárie
22 de agosto de 2017



Sempre achei que uma excelente forma de gastar meu rico e suado dinheirinho é viajando para outros países. Conhecer lugares que, por um ou outro motivo, frequentam meu imaginário desde sempre, ver como funcionam outros países e até trocar uma ideia com moradores locais são algumas das minhas motivações. E lembro de uma vez, num hotel em Mônaco, em que o recepcionista, enquanto cuidava da burocracia para nossa entrada lá, começou a perguntar sobre o Brasil. Tinha havido algum episódio de violência por aqui naquela época (uma chacina ou algo parecido) e o sujeito parecia não acreditar que você poderia sair na rua no Brasil e um moleque de 15 anos meter uma arma na sua cara pra levar seu celular e trocá-lo por duas ou três pedras de crack. Sim, meu caro monegasco, é assim que a coisa funciona por aqui.
Por outro lado, pra nós é um negócio meio de outro mundo um sujeito berrar “Alá é grande” e detonar um cinto de explosivos ou acelerar um carro (ou van ou caminhão...) no meio de uma multidão com o único objetivo de matar o maior número de pessoas possível. E eu vi como funciona isso. Sim, eu estava em Barcelona na última quinta-feira, dia 17 de agosto, quando uma van arremeteu contra a multidão numa das mais movimentadas ruas de cidade, La Rambla. No dia em questão eu estava em outra região da cidade, mas na sexta-feira acabei sentindo de perto os efeitos do que acontecera. Fizemos uma viagem a Girona e Figueres, cidades próximas a Barcelona em que há uma vila medieval (a primeira) e em que Salvador Dalí nasceu e morreu (a segunda). Em Gironda, uma guia ia nos levar para um rápido passeio a pé, mas quase não conseguiu: apresentou-se e caiu no choro... Acabou se recuperando e o passeio aconteceu, mas aquilo já mostrou que o assunto era mais sério do que parecia.



Na volta, o ônibus nos deixou na Plaça de Catalunya. Resolvemos dar uma passada no Hard Rock Cafe que tem lá. Detalhe de que só nos demos conta na hora: o lugar ficava a 50 metros do ponto onde começara o atentado.
O clima estava aparentemente normal lá dentro, mas a brasileira que nos atendeu inicialmente não quis falar muito sobre o episódio do dia anterior. Levou-nos a nossa mesa e o garçom Miguel veio nos atender. O ambiente bacana e o chope bem tirado me abstraíram totalmente do que havia ocorrido na véspera. Até que veio o choque de realidade: de repente, sem qualquer tipo de aviso, pessoas que estavam na rua começaram a correr para dentro do restaurante em completo pânico. Não ouvi tiros, nossa posição lá dentro permitia ver que não havia qualquer movimentação estranha na rua, os seguranças que estavam na porta permaneceram lá. Na hora falei para a Cris, minha esposa: “Fica fria que não é nada.” Mas só nós e outro casal mantivemos a calma. Tinha gente gritando, muitos se jogando no chão, outros se escondendo atrás das cadeiras (como se aquilo fosse proteger alguém de uma bala ou de um carro...) e muita gente chorando, incluindo funcionários do lugar.
Demorou uns dois ou três minutos até que tudo voltasse ao normal – se é que nessa circunstância dá pra usar a palavra “normal”... Miguel chegou à nossa mesa e eu perguntei o que, afinal de contas, tinha acontecido. Ele deu um sorriso meio irônico e respondeu o que eu imaginava: “Nada...” Ou seja, estávamos vivendo um momento de histeria coletiva. Simples assim.
E essa é a questão central. O sujeito que faz uma barbaridade como essa não se chama “terrorista” por acaso. O que ele quer é implantar o terror, o medo. Tanto que as palavras de ordem em Barcelona nos dias que se seguiram eram “não teremos medo”. Mas não é tarefa simples. Mesmo antes de ver essa postura quase oficial da cidade, eu já tinha decidido que não ia mudar em uma vírgula meus planos de viagem. Ainda teria dois dias em Barcelona e iria fazer tudo aquilo que programara – como fiz. Só que você começa a olhar de um jeito diferente para praticamente todo mundo – e todo mundo faz o mesmo com você. Além disso, atravessar uma rua passa a ser uma operação quase cerebral, cercada de cuidados por todos os lados.
A motivação disso tudo é uma combinação literalmente explosiva. Grupos radicais como o Estado Islâmico misturam fanatismo religioso, sede pelo poder e uma ausência completa de escrúpulos. Os caras entram nessa dispostos a tudo e sem medo de nada, porque se morrerem acham que viram mártires e vão papar as sei lá quantas virgens no paraíso. E fazem o que fazem, como no caso de Barcelona, atacando pessoas que estão em férias, passeando com a família e completamente relaxadas – e pouco importa se houver idosos ou crianças no meio das vítimas. Ou seja, é o auge da covardia.
Barcelona é um lugar que merece uma visita – de vários dias, de preferência. É uma cidade cosmopolita, você nem lembra em que país está quando chega nela. Artes, arquitetura, esportes, tudo se mistura numa cidade bonita, que funde o moderno e o antigo sem problemas e é bem administrada – o transporte público, por exemplo, é barato e extremamente funcional. 




A covardia dos radicais não pode fazer com que ela passe a ser evitada – assim como deve acontecer com as demais cidades que passaram por situações parecidas, como Paris, Nice, Londres, Estocolmo e Berlim. Afinal, é o que nos resta fazer nesse mundo doente, como bem definiu um amigo: mostrar que o medo não pode triunfar.

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