Sempre achei que uma excelente forma de
gastar meu rico e suado dinheirinho é viajando para outros países. Conhecer
lugares que, por um ou outro motivo, frequentam meu imaginário desde sempre,
ver como funcionam outros países e até trocar uma ideia com moradores locais são
algumas das minhas motivações. E lembro de uma vez, num hotel em Mônaco, em que
o recepcionista, enquanto cuidava da burocracia para nossa entrada lá, começou
a perguntar sobre o Brasil. Tinha havido algum episódio de violência por aqui
naquela época (uma chacina ou algo parecido) e o sujeito parecia não acreditar
que você poderia sair na rua no Brasil e um moleque de 15 anos meter uma arma
na sua cara pra levar seu celular e trocá-lo por duas ou três pedras de crack.
Sim, meu caro monegasco, é assim que a coisa funciona por aqui.
Por outro lado, pra nós é um negócio meio de
outro mundo um sujeito berrar “Alá é grande” e detonar um cinto de explosivos
ou acelerar um carro (ou van ou caminhão...) no meio de uma multidão com o
único objetivo de matar o maior número de pessoas possível. E eu vi como
funciona isso. Sim, eu estava em Barcelona na última quinta-feira, dia 17 de
agosto, quando uma van arremeteu contra a multidão numa das mais movimentadas
ruas de cidade, La Rambla. No dia em questão eu estava em outra região da
cidade, mas na sexta-feira acabei sentindo de perto os efeitos do que
acontecera. Fizemos uma viagem a Girona e Figueres, cidades próximas a
Barcelona em que há uma vila medieval (a primeira) e em que Salvador Dalí
nasceu e morreu (a segunda). Em Gironda, uma guia ia nos levar para um rápido
passeio a pé, mas quase não conseguiu: apresentou-se e caiu no choro... Acabou
se recuperando e o passeio aconteceu, mas aquilo já mostrou que o assunto era
mais sério do que parecia.
Na volta, o ônibus nos deixou na Plaça de
Catalunya. Resolvemos dar uma passada no Hard Rock Cafe que tem lá. Detalhe de
que só nos demos conta na hora: o lugar ficava a 50 metros do ponto onde
começara o atentado.
O clima estava aparentemente normal lá
dentro, mas a brasileira que nos atendeu inicialmente não quis falar muito
sobre o episódio do dia anterior. Levou-nos a nossa mesa e o garçom Miguel veio
nos atender. O ambiente bacana e o chope bem tirado me abstraíram totalmente do
que havia ocorrido na véspera. Até que veio o choque de realidade: de repente,
sem qualquer tipo de aviso, pessoas que estavam na rua começaram a correr para
dentro do restaurante em completo pânico. Não ouvi tiros, nossa posição lá
dentro permitia ver que não havia qualquer movimentação estranha na rua, os
seguranças que estavam na porta permaneceram lá. Na hora falei para a Cris,
minha esposa: “Fica fria que não é nada.” Mas só nós e outro casal mantivemos a
calma. Tinha gente gritando, muitos se jogando no chão, outros se escondendo
atrás das cadeiras (como se aquilo fosse proteger alguém de uma bala ou de um
carro...) e muita gente chorando, incluindo funcionários do lugar.
Demorou uns dois ou três minutos até que tudo
voltasse ao normal – se é que nessa circunstância dá pra usar a palavra
“normal”... Miguel chegou à nossa mesa e eu perguntei o que, afinal de contas,
tinha acontecido. Ele deu um sorriso meio irônico e respondeu o que eu
imaginava: “Nada...” Ou seja, estávamos vivendo um momento de histeria
coletiva. Simples assim.
E essa é a questão central. O sujeito que faz
uma barbaridade como essa não se chama “terrorista” por acaso. O que ele quer é
implantar o terror, o medo. Tanto que as palavras de ordem em Barcelona nos
dias que se seguiram eram “não teremos medo”. Mas não é tarefa simples. Mesmo
antes de ver essa postura quase oficial da cidade, eu já tinha decidido que não
ia mudar em uma vírgula meus planos de viagem. Ainda teria dois dias em
Barcelona e iria fazer tudo aquilo que programara – como fiz. Só que você
começa a olhar de um jeito diferente para praticamente todo mundo – e todo
mundo faz o mesmo com você. Além disso, atravessar uma rua passa a ser uma operação
quase cerebral, cercada de cuidados por todos os lados.
A motivação disso tudo é uma combinação
literalmente explosiva. Grupos radicais como o Estado Islâmico misturam
fanatismo religioso, sede pelo poder e uma ausência completa de escrúpulos. Os caras
entram nessa dispostos a tudo e sem medo de nada, porque se morrerem acham que
viram mártires e vão papar as sei lá quantas virgens no paraíso. E fazem o que
fazem, como no caso de Barcelona, atacando pessoas que estão em férias, passeando
com a família e completamente relaxadas – e pouco importa se houver idosos ou
crianças no meio das vítimas. Ou seja, é o auge da covardia.
Barcelona é um lugar que merece uma visita –
de vários dias, de preferência. É uma cidade cosmopolita, você nem lembra em
que país está quando chega nela. Artes, arquitetura, esportes, tudo se mistura
numa cidade bonita, que funde o moderno e o antigo sem problemas e é bem administrada
– o transporte público, por exemplo, é barato e extremamente funcional.
A covardia dos radicais não pode fazer com que ela passe a ser evitada – assim como deve acontecer com as demais cidades que passaram por situações parecidas, como Paris, Nice, Londres, Estocolmo e Berlim. Afinal, é o que nos resta fazer nesse mundo doente, como bem definiu um amigo: mostrar que o medo não pode triunfar.
A covardia dos radicais não pode fazer com que ela passe a ser evitada – assim como deve acontecer com as demais cidades que passaram por situações parecidas, como Paris, Nice, Londres, Estocolmo e Berlim. Afinal, é o que nos resta fazer nesse mundo doente, como bem definiu um amigo: mostrar que o medo não pode triunfar.
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