Sobre o BBB e os dois lados da telinha
24 de janeiro de 2016

Todo janeiro é a mesma coisa: como tragédias que se abatem sobre nós, sabemos que vamos ter tempestades, enchentes e Big Brother Brasil.

Difícil saber o que é pior: ter sua vida boiando na sala de casa ou saber que mais uma vez começa o desfile de pessoas que nada têm a dizer sendo acompanhadas por pessoas que nada têm a pensar.

E são justamente esses que me intrigam. Muita gente já se manifestou acerca do BBB apontando os mais diversos absurdos que envolvem o programa. Já lembraram com muita propriedade o fato de um repórter de altíssimo nível como Pedro Bial (sua cobertura da queda do Muro de Berlim há quase 30 anos foi histórica) se sujeitar ao papel que assume no programa e as barbaridades que fala; já lembraram a distorção histórica que é chamar os participantes de "brothers" e "sisters" (caso queira saber a origem da expressão "Big Brother", leia o brilhante "1984", obra-prima de George Orwell escrita há quase 70 e incrivelmente atual até hoje); já comentaram as "provas" a que são submetidos os participantes e que ficam em algum lugar na linha muito tênue que existe entre o "patético" e o "constrangedor".

O que me intriga de verdade é o fato de esse tipo de programa ter audiência. Veja, não sou daqueles radicais que prega que televisão tem que ser essencialmente disseminadora de cultura. Sim, isso é importantíssimo, mas nada impede que ela seja um simples instrumento de lazer - eu mesmo, das poucas horas que passo diante de uma TV, boa parte é sintonizado no futebol, que adoro. Mas o que impressiona no caso em questão é acompanhar gente desconhecida, sem nada de importante ou útil a dizer e fazendo nada. E certamente dá audiência, já que ocupa parte do horário nobre da principal emissora do país e tem entre seus anunciantes algumas das mais poderosas empresas instaladas por aqui, como Ambev e Fiat, para ficarmos apenas em duas.

De acordo com a psicóloga Márcia Maranhão, isso não é novidade: "Na verdade, isso sempre existiu como instrumento de manipulação de massas tipo 'pão e circo', só muda a forma como é feito." Segundo ela, o que mantém o povo ligado no programa são duas coisas: "A identificação, justamente pelos participantes serem pessoas comuns, como qualquer um, e que ficam expostas todo o tempo a situações desafiadoras; e a projeção, já que as situações e as emoções que vivem fazem com que o telespectador imagine como agiria se estivesse no lugar deles. É a realização através do outro, uma forma de alterar uma rotina pouco interessante e massacrante e sair da realidade cotidiana."

E é aí que chegamos ao ponto - na verdade, Márcia é que chega. Deixando de lado a linguagem técnica e acadêmica da psicóloga e falando de forma direta, o fato é que a maior parte das pessoas vive uma vidinha de merda e precisa de válvulas de escape como tentativa de purgar suas frustrações e sua falta de perspectiva, ambas muitas vezes geradas por elas próprias.

Nesse contexto, o BBB é o menor dos problemas. A verdade é que estamos diante de uma sociedade que, em sua maioria, prefere viver uma vida acomodada, mesmo com tantos recursos ao alcance da mão - graças à internet, você consegue aprender um idioma, ouvir música de alta qualidade, assistir a um filme de arte, aprender um instrumento musical e incontáveis outras coisas sem sair de casa e sem gastar um centavo. Pouquíssimos se dispõem a fazer isso. A grande maioria prefere manter seu emprego, reclamar do chefe e sonhar com a aposentadoria para fazer rigorosamente nada e ficar, como diria Raul Seixas na sensacional "Ouro de Tolo", "esperando a morte chegar".

Já cheguei a falar que o BBB deveria ser censurado - era uma provocação, claro, já que sempre defendi e defenderei a liberdade de expressão, por mais desimportante seja o que se tenha a expressar. Pior, na presente reflexão acabamos descobrindo que o programa em si é o menor dos problemas. O mais grave não está na tela da TV, mas diante dela. E a conclusão, enfim, não pode ser outra: o Big Brother Brasil e seu público se merecem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário