Lá nos anos 80, havia uma cantora
chama Amelinha que garantia fazer "o homem gemer sem sentir dor".
Seguindo a mesma linha de raciocínio (mas saindo da cama), eu lhes garanto: é
possível ter síndrome de abstinência sem ser viciado sequer em Ki-Suco. E isso
se verifica justamente nesta época, em que acabam os campeonatos de futebol no
Brasil.
Aprendi a amar o futebol pelas mãos de
seu Heraldo, meu saudoso pai, um apaixonado pelo chamado "esporte
bretão". Corintiano (e eu, nascido no final dos anos 50, santista), ele me
levava todo final de semana para assistir o jogo que estivesse acontecendo no
maravilhoso Estádio do Pacaembu. Era um programa que se transformava
praticamente num ritual. Almoço em casa, ônibus até o estádio, amendoim e
sorvete (de limão ou chocolate, não tinha "plano C") e o jogo. Ah, o
jogo... Vi todos aqueles grandes craques jogando ali, na minha cara. Dirceu
Lopes, brilhante ponta-de-lança do Cruzeiro que não foi para a Copa de 70
porque tinham uns cinco camisas 10 melhores do que ele (imagina se fosse hoje,
era ele e mais 10!), Mané Garrincha, Ademir da Guia, Roberto Dias, zagueiro do
São Paulo que escolheria o time para jogar nos dias atuais, e, claro, o melhor
de todos, Rei Pelé - esse sempre aprontava alguma quando entrava em campo,
mesmo quando estava nos seus piores dias.
Já tive embates titânicos com a
memória, mas confesso que não me lembro qual foi o primeiro jogo que vi
"no campo", como a gente dizia. Mas me recordo com riqueza de
detalhes da primeira vez que seu Heraldo me levou para ver um jogo noturno.
Está até hoje na minha memória o espanto que um menino de seus 8 anos teve ao
ver o campo iluminado como se fosse dia. Lembro até do jogo: Atlético Mineiro 1
x São Paulo 0, graças a um frango histórico do goleiro Sérgio. Lembro ainda de
uma troca de olhares meio hostil entre meu pai e um são-paulino que não ficou
muito feliz ao ouvir aquele moleque comentar que "essa aí até eu
pegava."
Por tudo isso (e muito mais) me tornei
um fanático pelo ludopédio (como querem alguns). Acompanho a Seleção Brasileira
e os campeonatos brasileiros nas suas quatro séries (ver o hilário Sylvio Luiz
narrando os jogos da série B nos sábados à tarde é algo impagável), vejo vários
campeonatos europeus (inglês, principalmente) e às vezes me pego sintonizando
uma Rede Vida qualquer pra assistir um jogo da 4a. divisão paulista numa
transmissão tão ruim que você não consegue distinguir um time jogando de camisa
branca de outro com camisas vermelhas numa TV HD. Sim, é quase um vício.
E é aí que entra a síndrome de
abstinência de que falamos lá no início. A coisa é cruel porque acontece aos
poucos. Quando chega esta época do ano, em poucas semanas tudo vai acabando,
como alguém que morre de falência múltipla de órgãos. Primeiro é a Libertadores
da América - sim, também fico ligado mesmo que não tenha nenhum time brasileiro
envolvido. Depois, a Copa do Brasil vai afunilando e aquele monte de jogos vai
minguando até chegar a fase final. A essa altura, o Campeonato Brasileiro já
está nas suas últimas rodadas (a série B termina uma semana antes da série A).
Acabam os dois torneios nacionais e sobra o Mundial de Clubes, que se resolve
em oito jogos e dez dias - e, convenhamos, como o negócio acontece no Japão,
fica impossível ver Sanfrecce Hiroshima e Auckland City às 8 da matina de uma
quinta-feira de trabalho.
O final do Mundial de Clubes Fifa
(nome pomposo do torneio) coincide com a proximidade das festas de fim de ano,
quando vários campeonatos europeus são momentaneamente interrompidos. E aí você
liga a TV no domingo e vê aqueles jogos festivos... São uns catados de atletas
que jogam sério o ano inteiro e que, enfim, entram em campo pra se divertir.
Deve ser muito legal pra eles, pra nós nem tanto. Tudo bem que ver um
"Amigos do Cristiano Ronaldo" x "Amigos do Messi" pode
render algumas jogadas geniais, já que tanto esses dois como seus amigos sabem
tudo e mais um pouco de bola. Mas até isso acaba escasseando com o passar dos
dias e quando você vai ver te resta acompanhar um "Amigos do
Chupisco" x "Amigos do Jean Cavalo" em que, no fim das contas,
entra até cara de sapato pra jogar.
É nesse momento que você apela. Vale
até futebol feminino, de areia ou futsal. No auge da síndrome, entre um tremor
e outro, até futevôlei a gente encara!
Concordo: é meio ridículo. Ainda mais
porque a gente leva a sério um esporte envolvido em tanta suspeita de corrupção
(vide o que acontece com a Fifa atualmente) e em que nós levamos a coisa mais a
sério do que os próprios jogadores, milionários de vida resolvida e mais
preocupados com os próprios umbigos do que com a camisa que vestem. Mas não
importa. É vício, já admiti. E ainda não inventaram "rehab" pra ele.
Alguém aí sabe quando começa a Copa
São Paulo?
Segura as pontas, Tony. A Copinha começa em uns 15 dias...kkk
ResponderExcluirEu tb to no cold turkey...kkk