Sobre os vícios e a síndrome de abstinência
24 de dezembro de 2015

Lá nos anos 80, havia uma cantora chama Amelinha que garantia fazer "o homem gemer sem sentir dor". Seguindo a mesma linha de raciocínio (mas saindo da cama), eu lhes garanto: é possível ter síndrome de abstinência sem ser viciado sequer em Ki-Suco. E isso se verifica justamente nesta época, em que acabam os campeonatos de futebol no Brasil.

Aprendi a amar o futebol pelas mãos de seu Heraldo, meu saudoso pai, um apaixonado pelo chamado "esporte bretão". Corintiano (e eu, nascido no final dos anos 50, santista), ele me levava todo final de semana para assistir o jogo que estivesse acontecendo no maravilhoso Estádio do Pacaembu. Era um programa que se transformava praticamente num ritual. Almoço em casa, ônibus até o estádio, amendoim e sorvete (de limão ou chocolate, não tinha "plano C") e o jogo. Ah, o jogo... Vi todos aqueles grandes craques jogando ali, na minha cara. Dirceu Lopes, brilhante ponta-de-lança do Cruzeiro que não foi para a Copa de 70 porque tinham uns cinco camisas 10 melhores do que ele (imagina se fosse hoje, era ele e mais 10!), Mané Garrincha, Ademir da Guia, Roberto Dias, zagueiro do São Paulo que escolheria o time para jogar nos dias atuais, e, claro, o melhor de todos, Rei Pelé - esse sempre aprontava alguma quando entrava em campo, mesmo quando estava nos seus piores dias.

Já tive embates titânicos com a memória, mas confesso que não me lembro qual foi o primeiro jogo que vi "no campo", como a gente dizia. Mas me recordo com riqueza de detalhes da primeira vez que seu Heraldo me levou para ver um jogo noturno. Está até hoje na minha memória o espanto que um menino de seus 8 anos teve ao ver o campo iluminado como se fosse dia. Lembro até do jogo: Atlético Mineiro 1 x São Paulo 0, graças a um frango histórico do goleiro Sérgio. Lembro ainda de uma troca de olhares meio hostil entre meu pai e um são-paulino que não ficou muito feliz ao ouvir aquele moleque comentar que "essa aí até eu pegava."

Por tudo isso (e muito mais) me tornei um fanático pelo ludopédio (como querem alguns). Acompanho a Seleção Brasileira e os campeonatos brasileiros nas suas quatro séries (ver o hilário Sylvio Luiz narrando os jogos da série B nos sábados à tarde é algo impagável), vejo vários campeonatos europeus (inglês, principalmente) e às vezes me pego sintonizando uma Rede Vida qualquer pra assistir um jogo da 4a. divisão paulista numa transmissão tão ruim que você não consegue distinguir um time jogando de camisa branca de outro com camisas vermelhas numa TV HD. Sim, é quase um vício.

E é aí que entra a síndrome de abstinência de que falamos lá no início. A coisa é cruel porque acontece aos poucos. Quando chega esta época do ano, em poucas semanas tudo vai acabando, como alguém que morre de falência múltipla de órgãos. Primeiro é a Libertadores da América - sim, também fico ligado mesmo que não tenha nenhum time brasileiro envolvido. Depois, a Copa do Brasil vai afunilando e aquele monte de jogos vai minguando até chegar a fase final. A essa altura, o Campeonato Brasileiro já está nas suas últimas rodadas (a série B termina uma semana antes da série A). Acabam os dois torneios nacionais e sobra o Mundial de Clubes, que se resolve em oito jogos e dez dias - e, convenhamos, como o negócio acontece no Japão, fica impossível ver Sanfrecce Hiroshima e Auckland City às 8 da matina de uma quinta-feira de trabalho.

O final do Mundial de Clubes Fifa (nome pomposo do torneio) coincide com a proximidade das festas de fim de ano, quando vários campeonatos europeus são momentaneamente interrompidos. E aí você liga a TV no domingo e vê aqueles jogos festivos... São uns catados de atletas que jogam sério o ano inteiro e que, enfim, entram em campo pra se divertir. Deve ser muito legal pra eles, pra nós nem tanto. Tudo bem que ver um "Amigos do Cristiano Ronaldo" x "Amigos do Messi" pode render algumas jogadas geniais, já que tanto esses dois como seus amigos sabem tudo e mais um pouco de bola. Mas até isso acaba escasseando com o passar dos dias e quando você vai ver te resta acompanhar um "Amigos do Chupisco" x "Amigos do Jean Cavalo" em que, no fim das contas, entra até cara de sapato pra jogar.

É nesse momento que você apela. Vale até futebol feminino, de areia ou futsal. No auge da síndrome, entre um tremor e outro, até futevôlei a gente encara!
Concordo: é meio ridículo. Ainda mais porque a gente leva a sério um esporte envolvido em tanta suspeita de corrupção (vide o que acontece com a Fifa atualmente) e em que nós levamos a coisa mais a sério do que os próprios jogadores, milionários de vida resolvida e mais preocupados com os próprios umbigos do que com a camisa que vestem. Mas não importa. É vício, já admiti. E ainda não inventaram "rehab" pra ele.

Alguém aí sabe quando começa a Copa São Paulo?

Um comentário:

  1. Segura as pontas, Tony. A Copinha começa em uns 15 dias...kkk
    Eu tb to no cold turkey...kkk

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