Sobre Zeca Camargo, Cristianos e ídolos de areia
17 de Julho de 2015

Quem tem mais de 30 anos certamente se lembra. Foi no início de maio de 1994. Após o terrível acidente na curva Tamburello, em Imola, a morte de Ayrton Senna promoveu uma das maiores (senão a maior) comoção coletiva que esse país já viu. O assunto monopolizou a imprensa por dias seguidos, enquanto velório e enterro movimentaram uma autêntica multidão.

Mas tudo isso fazia sentido. Num período em que o país tentava juntar os cacos de uma economia em frangalhos, logo após o lançamento do Plano Real (que se mostraria a solução para o problema, mas naquele momento ainda enfrentava a desconfiança da população), Senna era o único herói que nos restava - até no futebol o último título havia sido no longínquo ano de 1970. Três vezes campeão mundial, ousado, competente e, melhor de tudo, bocudo, Senna encarnava o resgate do orgulho nacional.


Mais de 20 anos depois, no dia 25 de junho deste ano, acordo e ligo o tablet para ler as últimas notícias. E vejo que morreu um tal Cristiano Araujo junto com a namorada num acidente. Cantor sertanejo. Vasculhei a memória... Nada. Tudo bem, minha praia é o rock, mas é impossível você não saber pelo menos o nome desses cantores popularescos. Sei quem é Michel Teló. Sei quem é Luan Santana (apesar de não fazer ideia como é a cara dele - nem faço questão, diga-se...). Pensei que sabia quem eram Milionário e José Rico, até descobrir que o que morreu não era o que eu estava pensando, mas o outro... Tudo bem, acontece.

Mas, juro, Cristiano Araujo eu não fazia a menor ideia de quem era. Acabei ouvindo (como todo o país) algumas músicas dele após o acidente e jamais tinha escutado nenhuma delas. Só que a comoção que se seguiu ao acidente foi algo de uma proporção semelhante ao que aconteceu na morte de Ayrton Senna. A imprensa falou nisso por dias seguidos e até a poderosa Rede Globo chegou a mudar sua programação para cobrir o assunto.

E mesmo lamentando o fato de um jovem ter morrido num acidente (o que não tem nada a ver com a música que ele fazia), a repercussão de mídia e público só mostra como estamos carentes de heróis. Pior: na ausência deles, criamos os ídolos de areia, aqueles que não têm qualquer conteúdo e que duram até vir a próxima onda e varrê-los da nossa frente. Basta fazer algo minimamente diferente do comum das pessoas para ser incensado como a nova salvação da música.


Mas o pior ainda estava por vir. Discorrendo exatamente sobre o que escrevo aqui, três dias após a morte do cantor o jornalista Zeca Camargo fez uma crônica na emissora a cabo Globo News questionando a importância de Cristiano Araujo (veja aqui).

Foi o que bastou para o mundo desabar sobre o lombo do pobre Zeca. Apesar de sua imagem ser vinculada à apresentação de um dos programas mais molengas da TV brasileira, o Fantástico, Zeca é um jornalista de respeito e um grande conhecedor de música - e quem duvidar pode dar um confere no livro "De A-Ha A U2 - OS Bastidores das Entrevistas do Mundo da Música", no qual ele relata e comenta algumas das muitas entrevistas que fez ao longo de sua carreira. Ou seja, era um sujeito com estofo para falar o que falou. Tudo bem que, como em qualquer grande corporação, na Globo certamente há uma disciplina interna, senão o negócio vira zona. Mas daí a vender a alma vai longo caminho. E mais: se o negócio é tão rígido, por que diabos abrir um espaço para um jornalista apresentar uma crônica, texto sobre o qual ele tem (ou deveria ter) liberdade na escolha do tema e de seu desenvolvimento?

Mas a revolta contra ele foi enorme. Chegou-se até a dizer que os artistas sertanejos em geral iriam boicotar um novo programa que ele irá apresentar na TV - o que, convenhamos, seria um benefício para a humanidade...


Seja como for, o negócio foi tão longe que acabou até gerando um pedido de desculpas de Zeca, dessa vez num programa da própria Globo - que, obviamente, tem muito mais audiência que a Globo News. Claramente contrariado, Zeca diz que foi "mal interpretado" e que tinha a "maior admiração" pelo cantor (veja aqui).

Só que Zeca é tudo menos bobo. Preste atenção aos 16 segundos do vídeo acima. Perceba por quem ele tem a maior admiração. Cutucada básica que em um segundo reafirmou tudo que ele disse em mais de quatro minutos na crônica inicial.

No fim das contas, como diz a garotada na internet, "Zeca wins".

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