Muita gente me pergunta quem é meu
ídolo. Normalmente, esperam ouvir alguma coisa como Keith Richards ou John
Lennon. Só que eu decepciono muita gente quando digo que meu ídolo é meu saudoso
pai. Isso porque acho muito complicado "cravar" algo assim em relação
a pessoas que, no fim das contas, não fazemos nem ideia de como realmente são. Pode
ser que esses astros que alguns idolatram sejam pessoas de valores absolutamente
diferentes (ou mesmo contrários) aos nossos ou verdadeiras decepções como seres
humanos.
Mas é claro que há aqueles artistas
(músicos em geral) que admiro de maneira especial - como Keith e Lennon, por exemplo...
Nessa lista dá pra colocar sem medo de errar Lemmy Kilmister. E por isso mesmo
acordei mais triste hoje.
Estive duas vezes com Lemmy. A
primeira foi na primeira vinda do Motörhead ao Brasil, em 1989.
A tour teve um monte de percalços, com um dos shows marcados para o Ginásio do Ibirapuera sendo interrompido por problemas técnicos aparentemente insolúveis e transferido para o extinto Projeto SP. Foi lá que encontrei o líder do Motörhead para uma entrevista. A figura do homem intimidava. Grandalhão, poucas palavras, estava lendo "Jaws" (que virou o filme "Tubarão", de Spielberg) num livro que aparentemente já tinha sido folheado incontáveis vezes. Botou o livro com a capa para cima sobre a mesa para não perder a página em que estava e começamos a conversa. Lemmy passou a sensação de ser um cara "na dele". Não foi grosso em momento algum, mas também não foi generoso em sorrisos. A impressão que tive foi que, caso vivesse no velho oeste, seria daqueles que atiraria primeiro e perguntaria depois. Nessa mesma ocasião conheci Philthy "Animal" Taylor e consegui que respondesse algumas perguntas. Essa tour da banda seria conturbada até o final, já que no dia em que voltariam para casa um piloto de um Boeing cargueiro fez uma barbeiragem e jogou o bruto numa favela perto de Cumbica, fechando o aeroporto por horas e fazendo a banda tomar um chá de cadeira por lá.
A tour teve um monte de percalços, com um dos shows marcados para o Ginásio do Ibirapuera sendo interrompido por problemas técnicos aparentemente insolúveis e transferido para o extinto Projeto SP. Foi lá que encontrei o líder do Motörhead para uma entrevista. A figura do homem intimidava. Grandalhão, poucas palavras, estava lendo "Jaws" (que virou o filme "Tubarão", de Spielberg) num livro que aparentemente já tinha sido folheado incontáveis vezes. Botou o livro com a capa para cima sobre a mesa para não perder a página em que estava e começamos a conversa. Lemmy passou a sensação de ser um cara "na dele". Não foi grosso em momento algum, mas também não foi generoso em sorrisos. A impressão que tive foi que, caso vivesse no velho oeste, seria daqueles que atiraria primeiro e perguntaria depois. Nessa mesma ocasião conheci Philthy "Animal" Taylor e consegui que respondesse algumas perguntas. Essa tour da banda seria conturbada até o final, já que no dia em que voltariam para casa um piloto de um Boeing cargueiro fez uma barbeiragem e jogou o bruto numa favela perto de Cumbica, fechando o aeroporto por horas e fazendo a banda tomar um chá de cadeira por lá.
A outra vez foi em 2004, numa coletiva
no também extinto Via Funchal.
Coletiva, para quem nunca participou de uma, é um verdadeiro balaio de gatos, já que se juntam jornalistas e "jornalistas" dos mais vários gabaritos, conhecimento e posturas num mesmo ambiente e o resultado normalmente é um verdadeiro show de horrores. Nesse dia em questão, a primeira pergunta a Lemmy foi como ele se sentia vindo pela primeira vez ao Brasil. "É a sexta vez...", resmungou ele, para vergonha alheia geral.
Coletiva, para quem nunca participou de uma, é um verdadeiro balaio de gatos, já que se juntam jornalistas e "jornalistas" dos mais vários gabaritos, conhecimento e posturas num mesmo ambiente e o resultado normalmente é um verdadeiro show de horrores. Nesse dia em questão, a primeira pergunta a Lemmy foi como ele se sentia vindo pela primeira vez ao Brasil. "É a sexta vez...", resmungou ele, para vergonha alheia geral.
Uma coletiva do Motörhead funcionava
assim: o jornalista fazia a pergunta, invariavelmente dirigida a Lemmy. O tradutor
passava para o inglês, Lemmy falava alguma gracinha e o excelente baterista
Mikkey Dee dava a resposta, digamos, "oficial". Só que um repórter
fez uma pergunta que só Lemmy poderia responder. Queria saber o que ele tinha
aprendido na época em que foi roadie de Jimi Hendrix. Quem fazia a tradução
simultânea era uma moça conhecida do pessoal e que não precisava provar nada a ninguém:
falava inglês com perfeição e conhecia rock. Pois bem... Ela traduziu a
pergunta e Lemmy respondeu. Daquele jeito "Lemmy de ser". A moça olhou
para ele, olhou para nós e usou toda a sinceridade que tinha: "Pessoal, eu
não entendi uma palavra do que esse homem falou..." Por sorte estava por
ali Rogerinho, brasileiro que é roadie de guitarra do Motörhead há muitos anos
e está acostumado com o "dialeto" de Lemmy. Perguntou se podia ajudar
e traduziu o que ele havia dito: "Infelizmente, eu estava muito chapado e
não me lembro de nada daquela época." Mais Lemmy impossível.
Porém, quem queria ter uma ideia mais
próxima de quem era o baixista e vocalista teve essa oportunidade com o
documentário "Lemmy" (2010), que traz o sintomático subtítulo
"49% Motherf**er. 51% Son of a Bitch." e que mostra um sujeito simples,
apaixonado pela história da II Guerra Mundial (não, Lemmy NÃO ERA nazista como
querem alguns apressados-ignorantes-mal intencionados) e de hábitos nada
extravagantes - dessem a ele um garrafa de Jack Daniels e outra de Coca-Cola,
um caça-níqueis e um maço de cigarros de filtro marrom e ali estaria um cara
feliz.
No palco é desnecessário dizer do que
era capaz. Tocava e cantava de um jeito totalmente único. Usava o microfone em uma
posição completamente desconfortável e tinha uma explicação para isso: "No
início, eu evitava olhar para o público. Naqueles tempos tinha apenas dez
pessoas e um cachorro na plateia e eu preferia evitar ver que só tinha dez
pessoas e um cachorro ali..."
Nos últimos anos ficou claro que as
décadas de excessos vinham cobrando seu preço. O sujeito forte deu lugar a um
cara esquálido e de expressão cansada. Muitos foram os shows encerrados antes
do previsto ou mesmo cancelados - como aconteceu no último Monsters of Rock
aqui no Brasil, em abril último.
Lemmy tentou brigar com seus hábitos, mas não foi bem-sucedido. Diabético, foi intimado pelos médicos a diminuir a bebida, então trocou o uísque com Coca-Cola por vodca com suco de laranja... E no dia 28 de dezembro veio a notícia de um "câncer devastador" que teria levado o músico 48 horas depois de diagnosticado.
Lemmy tentou brigar com seus hábitos, mas não foi bem-sucedido. Diabético, foi intimado pelos médicos a diminuir a bebida, então trocou o uísque com Coca-Cola por vodca com suco de laranja... E no dia 28 de dezembro veio a notícia de um "câncer devastador" que teria levado o músico 48 horas depois de diagnosticado.
Seja isso verdade ou não, o fato é que
a notícia não era inesperada. Mas certas notícias não precisam ser inesperadas
para surpreender, chocar, aborrecer. Acho que a gente, mesmo inconscientemente,
tinha Lemmy numa outra categoria, a dos super-heróis. E todo mundo sabe que os
super-heróis são indestrutíveis. Eles às vezes cambaleiam, parece que vão
sucumbir, mas buscam forças em seus superpoderes e sobrevivem! E assim
descobrimos, da pior maneira, que Lemmy podia ser sim um super-herói, mas não
da categoria dos indestrutíveis.
Até o fim da vida Lemmy fez aquilo que
amava: subir num palco, bradar "nós somos o Motörhead e tocamos
rock'n'roll" e mandar ver um repertório que desafiava a lógica de tão bom.
Muita gente especulou que ele fazia isso porque precisava da grana. Prefiro
acreditar que ele precisava era da adrenalina. Afinal, em uma de suas frases mais
contundentes ele dizia: "Se você acha que está muito velho pra esse
negócio de rock'n'roll, então certamente você está."
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